O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

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netstorm
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O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

#1 Mensagem por netstorm » segunda jun 09, 2003 3:38 pm

Em Portugal, somente se começou a pensar na selecção da bravura do toiro no último quartel do século XIX, quando em Espanha tal selecção se iniciara em meados do século XVIII.

De acordo com Cossío, para as escassas necessidades da nossa festa de toiros era suficiente o erroneamente chamado "toiro português", produto de cruzamento entre o antigo toiro bravo espanhol, que pastava em tropéis selvagens e sem dono certo, em Castela, Andaluzia e na Estremadura espanhola, e dali emigrara pelos vales dos maiores rios para Portugal, e o morucho do Norte de Portugal, de origem céltica, oriundo da Galiza, cruza que dera um animal arisco e bronco, de acometidas incertas de manso, que tinha por finalidade última a castração e unção à charrua.

Não esqueçamos que no século XVIII a corrida, como tal, ainda não existia, e a utilização do gado bravo se cingia a festas de corte e picarias, com alanceamento de toiros pela fidalguia, em manifestações de galhardia, destreza e valor. Até essas eram aceites de mal talante, já por D. José, sob influência do Marquês de Pombal, já por D. Maria I e por seu filho, o futuro D. João VI, ainda que seja certo que o toureio a cavalo, na sua forma mais incipiente, resistia a influências de sinal contrário, como as do rei Filipe V de Espanha. Era avesso ao perigo, e de tal forma contrariara a sua prática que, no país vizinho, proporcionou o advento do toureio a pé pelas classes plebeias, relegando as actividades lúdicas da nobreza para jogos de salão e desportos menos perigosos. Concluiremos, assim, reafirmando-o, que só erroneamente se pode apelidar de toiro português autóctone o bovino daqueles tempos, animal corpulento e poderoso, alto de membros e de agulhas, de cornamenta muito desenvolvida e engravitada, avultada barbela e de notória mansidão, pela investida cobarde e receosa, com coloração aleonada e castanha, abundando os "bocalvos" e olhos de perdiz, com perfil côncavo de cabeça e ôrbitas salientes.

Também no Portugal do século XVIII, como em Espanha, muitos lustros antes, o toiro bravo era propriedade das Ordens Religiosas, de que foi aqui notável a dos Dominicanos, do Convento de Jericó de Benavente, que tão relevante se mostrou na constituição do núcleo bravo ribatejano, e que tivera a sua origem no pagamento, por tratantes, dos "dízimos" ou impostos devidos à Igreja.

De todas as buscas levadas a cabo, tão-somente de uma ganaderia particular obtivemos conhecimento durante o século XVIII, e que foi a do Marquês de Rio Maior, sediada na Quinta de Mato de Miranda, na Azinhaga, sendo regra geral que para as festas da corte e picarias forneciam o gado tratantes e carniceiros, de nome desconhecido.

No princípio do século XIX começam a surgir nomes da burguesia e nobreza que possuíam toiros, tradicionalmente denominados "toiros da terra" com a dupla finalidade de os lidarem e, se aptos para a lide, a repetirem em espectáculos taurinos que chegaram a atingir a dezena, caso dos célebres toiros Caraça e Caracol de Infante da Câmara, que foram cabeça de cartaz em muitas praças; ou de quando de elevado grau de mansidão, os castrarem e amansarem para o trabalho dos campos em típicas "tralhoadas".

São nesta fase incipiente, de gado bravo não seleccionado, notórias a ganaderias de D. Manuel da Silveira e Brito, Marquês de Ponte de Lima, de D. Caetano de Bragança (Duque de Lafões), do Duque de Cadaval, de D. Vasco Belmonte, do Barão da Junqueira, do Dr. Rafael José da Cunha, de A. Sousa Chamuscos, Marquês de Vagos, Máximo da Silva Falcão, Barão de Salvaterra de Magos, e Reais Manadas.

E é com o gado morucho das Reais Manadas, propriedade da Casa Real portuguesa desde os tempos do rei D. João IV, pastoreando nas terras do Infantado, que englobavam, entre muitas outras, as do Senhorio de Pancas, de Samora Correia a Alcochete, que nasce a vontade de criar toiros com condições de lide.

Tal vontade corporiza-se na pessoa do Rei Toureiro (e só não o apelidamos de Rei Ganadeiro porque também o foi D. Carlos de Bragança, o mártir do regicídio) e que foi D. Miguel de Bragança, terceiro filho de D. João VI.

Dom Miguel de Bragança, Príncipe, Duque e depois Rei de Portugal, era filho de D. Canota Joaquina, princesa espanhola, irmã de D. Fernando VII de Espanha.

Ora Fernando VII de Espanha foi possuidon da quase totalidade de uma das melhores ganadenias de casta do pais vizinho, por compra da mesma aos herdeiros de D. Vicente José Vazquez, de Utrera (Sevilha).

Vicente José Vazquez era filho de D. Gregorio Vazquez, um opulento lavrador andaluz, que nas vastas propniedades de Utrena tinha gado bovino, bravo, ainda não seleccionado, por alturas de começos do século XVIII, mas sem cruzamentOs com gado morucho.

Falecido D. Gregonio em 1778, ainda em pleno século XVIII, henda a vacada seu filho Vicente José Vazquez, justamente considerado como o primeiro ganadeiro científico, no sentido de, muito antes da descoberta científica das leis genéticas, ter intuído as regras de selecção e que até à sua morte em 1830 trabalhou sem descanso na prossecução do que veio a denominar-se a raiz da "casta vazquenha", uma das castas fundacionais, no âmbito da ganadenia brava peninsular.

Chegando a possuin mais de oito mil vacas de ventre de gado bravo, produto de várias mestiçagens com estirpes diferenciadas, entre as quais gado oniundo do Conde de Vista-Hermosa, outro fundador de uma notónia "casta" andaluza, Vicente José Vazquez é cognominado por insignes escnitores de toiros, como Luis Fennandez Salcedo, do "escultor de animais vivos e verdadeiro aiquimista da raça brava".

Vicente José Vazquez, já então possuidon dos titulos de Conde de Guadalete e Visconde de San Vicente, morne em 11 de Fevereiro de 1830, sem herdeiros forçosos, e a sua imensa ganaderia é vendida pelo testamenteino, generab Vicente Quesada, ao Rei D. Fernando VII.

Sabedora desta aquisição, logo a rainha D. Canota Joaquina, inmã do rei de Espanha e mãe de Dom Miguel, solicita ao irmão comprar-lhe, para presentear o filho, uma ponta de vacas de sangue "vazquenho" e os necessàrios padreadores, ao que irmão accde, não vendendo, mas sim presenteando ele o sobninho, com cinquenta vacas e dois sementais da melhor nota, reses que chegam a Portugal e são acomodadas separadamente das Reais Manadas, em Salvatenra de Magos, no ano de 1830.

Sem o saben, no seu afã de se tornar ganadeiro de pnestígio, D. Miguel de Bragança é o causadon nesponsável e involuntánio, pon mon do seu injusto destino, da transformação c selecção do toiro bravo em Portugal.

Dom Miguel, que passana a sua juventude no Brasil, pois, nascido em 1802, tem, quando a Família Real dali regressa em 1821, a idade de 19 anos, é o perfeito exemplo das vintudes queridas no Portugal da primeira metade do século passado, valente cavaleiro, toureiro amador e forcado, ámen de ganadeiro, viril, destemido, aficionado à pratica de actos de vabor imponderados, generoso, de tnato fácil e composta figura : possui todos os factores para o arrastamento das massas, e foi assim, mercê dessas qualidades, o soberano desejado dos Portugueses.

Cônscio de que as forças, cada vez mais poderosas, da maçonaria intennacional e portuguesa manipulavam a seu bel-prazer a pusilanimidade do soberano seu pai, Rei D. João VI, fez-lhes frente através da Vilafrancada, primeira série de tomadas de atitude que o levaram a fazer-se conoar Rei, após a monte do seu augusto progenitor, e que vieram a desembocan nas Guernas Liberais, com início em 1831 e fim de 1834, com o final dramático da sua denrota c o seu exílio em Viena de Áustria.

Assim, por força destes avatares, D. Miguel nem tempo teve de dirigir e onientar a sua nova ganaderia espanhola, de pura "casta vazquenha", pois durante o período em que a reteve, de 1830 a 1834, esteve sempre ocupado em campanhas militares, que duraram quanto durou a terrível guerra civil.

Seu irmão, D. Pedro IV, tão-pouco teve mais sorte, pois a morte sobreveio-lhe menos de seis meses após a sua vitória de Évora Monte, não sem que antes tivesse tido tempo de distribuir, de entre os bens confiscados ao vencido, a sua ganaderia de casta espanhola, em paga e sinal de gratidão, às forças militares e seus mercenários, fiéis à causa liberal.

Após o seu desembarque em Génova, em 12 de Junho de 1834, o Rei D. Miguel I de imediato protestou ter sido objecto de coacção, e renegou o conteúdo do acordo de Evora Monte que lhe dava regalias pessoais a troco da desistência de quasquer direitos as Trono de Portugal. Esta atitude desencadeou o dccretamento da extinção das regalias concedidas, o que permitiu ao irmão, D. Pedro, distribuir a ganaderia de casta de D. Migucl pcios seus apaniguados, Manquês de Belas e Comendador Dâmaso Xavier dos Santos, o qual seguidamente alienou vacas da mesma casta ao Marquês de Ponte de Lima e a Francisco de Paula Leite, à Casa Cadaval e ao Dr. Rafael José da Cunha, que por sua vez vende, logo, algumas vacas ao Barão da Junqueira.

Por sua vcz, Manuel da Silveira Brito, Marquês de Ponte de Lima, aliena indiscriminadamente produtos cruzados entre a "casta vazquenha" e gado da terra a diversos criadores, entre os quais o Conde de Sobral, Barão de Salvaterra de Magos, e Estêvão Augusto de Oliveira, tendo este adquinido à Casa Real a Herdade de Pancas, do patnimónio do Infantado, ao Marquês de Vagos, a Máximo da Silva Falcão, a João Veloso Horta, sendo porém certo que esta dispersão do sanguc "vazquenho", se veio purificar algumas vacadas claramentc moruchas, não levou de imediato à selecção, acto imprescindível que só veio a iniciar-se em 1871, através da consciente determinação e conhecimentos de José Pereira Palha Blanco, o célebne ganadeiro de Vila Franca de Xira.

Na verdade, é a Palha Bianco que se pode agradecer o início da selecção cientifica, através de escrupulosas "tentas" e aplicação de conhecimentos genéticos, aprendidos em Espanha com D. Antonio Miura e D. Fernando Concha y Sierra, amigos da familia dc sua mãe, senhora de nacionalidade espanhola.

Palha Blanco herdara do pai, Antonio José Pereira Palha, uma vacada brava, com reses da terra, cruzadas com gado "vazquenho", oniundo de Estêvão António de Oliveira, pai do célebre ganadeiro possuidor do Ferro de Pancas, e dos criadores Sousa Falcão e Veloso Horta. Logo em 1871, à idade de 17 anos, compra 150 vacas puras "Vazquez" ao seu parente Marquês de Belas, e mais rezes da mesma onigem a Estêvão Augusto de Oliveira Jr. e a outros possuidores de gado oniundo das vacas de "Vazquez" oferecidas por Fernando VII de Espanha ao sobrinho D. Migucl de Bragança, as quais cruza com sementais de Concha y Sierra e Antonio Miura, de Sevilha, conseguindo a breve trecho, mercê da sua perseverança e conhecimentos, elevar o prestígio, em Portugal e Espanha, da sua célebre ganaderia.

Portanto é ao toiro de lide criado em Portugal após o fim das Guerras Liberais em 1834 — cruzamento entre a casta do gado confiscado a D. Miguel de Bragança, e o toiro da terra, o qual definiu um tipo de toiro com caracteres fenotípicos e genotípicos bem marcados — que pensamos ser lícito qualificar de "toiro português", pois já apresenta qualidades de bravura bastante acentuadas, o que não acontecia com o antigo toiro da terra cruzado com os moruchos da Galiza e Norte do País, (gado barrosão).

Mas não se pense que logo após a selecção conseguida por Palha Blanco começaram todos os cniadores portugueses a seguir-lhe as pisadas, pois que Palha climinou completamente o sangue antigo da sua vacada, transformando-a numa ganaderia totalmente de casta espanhola, o que os demais não fizeram. E, para exemplo disso, veja-se o que ocorreu na ganadenia da Casa Cadaval, que nos últimos anos do século passado e a repetidos pedidos da Senhora Duquesa, José Pereira Palha Blanco acedeu a administrar e seleccionar, o que fez eliminando trezentas vacas em escrupulosas tentas, e aproveitando apenas quarenta, às quais largou um toiro com o ferro andaiuz de D. Antonio Miura, por si adquirido, dos vinte e quatro sementais daquela ganadaria que, no decorrer dos anos, havia permutado com o ganadeiro sevilhano.

Seguno do acerto da sua politica ganadeira, qual não foi o assombro de Palha Blanco ao ter conhecimento, certo dia, de que o administrador da Casa Cadaval, Sr. Sena de Azevedo, havia mandado abater o semental Miura, por o mesmo se ter arrancado a um campino, estropeando-lhe o cavalo, e quando lhe foi exprobado o procedimento, respondeu, altaneiro, que na Casa Cadaval não eram precisos toiros bravos, mas toiros mansos que servissem para lavrar a terra e não dessem trabalho a meter à chanrua.

Era esta a filosofia dos criadores portugueses do tempo, que, com naras excepções, prosseguiam a criação do toiro morucho, destinado, pela. maior rusticidade que o de raça mansa, aos trabalhos de lavra das terras de cultivo.

E tal atitude persistiu até bem adiantado o presente século, somente se podendo considerar totalmente extirpada quando do advento ao toureio equestre de Mestre João Núncio, que tenminantemente se negou a tourear gado cornido.

No último meio século e com as únicas excepçõcs das ganadenias de Vaz Monteiro e Norberto Pedroso, não cruzada a primeira com sangue espanhol moderno e tão-somente com resquícios muito ténues de sangue do gado de D. Miguel I, a segunda com fracas condições para a lide e caracteres fenotipicos bem definidos de pelagem e morfologia, as demais ganadarias pontuguesas são de pura casta espanhola, praticamente todas, oriundas da casta Vista Hermosa.

O toiro português desapareceu, pois, com aquelas duas excepções citadas, sendo o gado bravo que hoje se lida em Portugal o mesmo produto que se lida em Espanha, França, México, Venezuela, Colômbia, Peru e Equador, por ser o que se adapta à permanente evolução dos modos e modas do toureio.
Rui Morraceira
Netstorm

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D__Sebastiao
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#2 Mensagem por D__Sebastiao » sexta jun 13, 2003 11:43 pm

Muito bom post.
Estou certo que todos nós aprendemos algo mais para a nossa cultura tauromáquica.
Suerte Maestro!

Camara Gonçalves
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Re: O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

#3 Mensagem por Camara Gonçalves » sábado nov 07, 2009 10:05 pm

Artigo muito interessante mas eivado de política no que respeita à casa real. E mais não digo.

Miguel Bento
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Re: O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

#4 Mensagem por Miguel Bento » terça jan 19, 2010 10:26 pm

Boas...

Bom artigo sim sr, embora não esteja totalmente de acordo com o que está escrito...
Mas, parabéns, pelo trabalho.

j_santos
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Registado: sexta set 18, 2009 2:00 pm

Re: O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

#5 Mensagem por j_santos » quarta abr 21, 2010 10:28 am

Artigo Excelente! Muito elucidativo. Parabéns

Amigos Câmara Gonçalves e Miguel Bento não percebi as vossas dúvidas...

Camara Gonçalves
Banderilheiro
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Re: O Toiro de Lide em Portugal nos Séculos XVIII, XIX E XX

#6 Mensagem por Camara Gonçalves » quarta abr 21, 2010 12:57 pm

Acho apenas que o artigo é bom mas eivado de ideias miguelistas. Só isso.

Câmara Gonçalves

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