Forcados de Marca Branca

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João Valenças
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Forcados de Marca Branca

#1 Mensagem por João Valenças » quarta jul 27, 2011 1:22 pm

Olá,

O que acham deste artigo de opinião?
FORCADOS DE MARCA-BRANCA

Tenho os olhos fixos nas mãos da minha tia Alzira que, imparáveis, estão desde o raiar do sol a dar forma a umas meias de croché branco, feitas com linha âncora nº 20. Agulha para cima, meia volta, linha para baixo, ponto virado, volta para cima, mais meia volta.

A minha tia Alzira só vai descansar quando tiver as meias prontas para o seu sobrinho favorito: Eu, que agora resolveu ser forcado e já tem quase a farda pronta. Só faltam as meias e eu saber distinguir um toiro de um presunto de porco preto.

Não é um sonho de menino (tal e qual a música do Tony) nem tão pouco fui criado na lezíria com a fisga apontada às cegonhas. Tudo isto foi uma coisa que se me deu assim de repente. Estávamos no café, uns seis ou sete, com uma mini nos beiços e um pires de moelas em cima do balcão da taberna, quando o Zé Cagarrinha se lembrou: E se nos juntássemos e fizéssemos um rancho folclórico aqui da terra? Ou um grupo de danças de salão? Não. Bonito, bonito, era criarmos um grupo de forcados. São homens para isso? Somos, pois! E assim, no dia 13 de Abril de 2011 nasceu o GFAPR – Grupo de forcados amadores da Passarinha Rapada.

Escolhemos para cabo o Antunes, o único de nós que na família conta com gentes da forcadagem: Um primo em terceiro grau de uma vizinha de uma tia que vive em Tavira, forcado nos amadores da Chamusca. Seria ele a nossa inspiração.

Durante semanas percorremos o país à procura de patrocínios. Fomos ao programa do Goucha e organizámos uma noite de fados na garagem do TóMané. Precisávamos de dinheiro para mandarmos fazer as jaquetas e encomendar os sapatos ao sapateiro (se bem que depois descobrimos que tinham sido mais baratos na LaRedoute). Com o restante dinheiro, ainda conseguimos comprar alguns barretes e mandámos fazer uns autocolantes para colarmos no vidro traseiro do carro. Tudo como deve de ser.

No entanto ainda tivemos um momento complicado durante a escolha do tecido para as jaquetas, quando o Antunes embirrou, lá na loja dos tecidos, que este ano a tendência eram os padrões às riscas e aos quadradinhos, muito roxo e azul-bebé. O impasse estava criado. Metade concordava (e até era da opinião de se adicionar umas penugens nas mangas) e a outra metade estava a ponto de desistir. Felizmente imperou o bom senso e só quando alguém disse que azul-bebé era uma cor um pouco efeminada, é que optámos pelo tecido aos ramos e às florzinhas. Assim, sim. Agora azul-bebé…

No meio de todas essas voltas, perguntei-me várias vezes porquê agora, assim do nada, é que resolvi ser forcado. Estaríamos a cometer uma loucura? Haveria razão, técnica, história, valor e tradição que nós pudéssemos alcançar? Provavelmente não. Continuo a achar que teria sido melhor termos optado pelas danças de salão.

Mas rapidamente conseguimos perceber como funciona o mundo da tauromaquia, no que aos forcados diz respeito. É mais ou menos como nas milhares de empresas nacionais. Competência, raça, tradição? Não! Cunhas, interesses, influências! Isso sim é que é de valor! E nisso ninguém nos ganha…

Nós, que não somos parvos nem nada, sabemos que os empresários das praças portuguesas apostam cada vez mais nos forcados de marca branca. Muito mais baratos do que os tradicionais e, na prática, servem praticamente para o mesmo do que os outros.

Isto funciona mais ou menos assim. O Antunes liga para o empresário-não-sei-das-quantas. Ah, e tal, senhor-não-sei-quê, temos aqui um grupo de forcados fresquinho (mas em crescimento) e estamos à vossa inteira disposição. Temos um preço baixinho (bastam duzentos euros para as bifanas) e ainda nos responsabilizamos por levar no dia da corrida sete camionetas de excursão apinhadas de reformados aqui da terra (que vão ter de pagar bilhete e assim encher a praça) e ainda montamos uma banca de queijo de cabra e azeite mais-que-virgem. Ah, e se nos contratarem para mais do que uma corrida, ainda oferecemos, como brinde (tal e qual as reuniões da tupperware), vinte garrafões de vinho, uma dúzia de galinhas do campo e uma fiada de farinheiras do fumeiro da avó do Zé Cagarrinha. Negócio fechado?

Normalmente os empresários não pensam duas vezes. Fecham negócio na hora e até se babam quando imaginam aqueles oitocentos reformados das excursões a entrar praça a dentro. Se por acaso tiverem oportunidade de estar perto de um empresário de uma praça no momento em que esta começa a encher com bilhetes de venda fácil, façam silêncio. Calem-se por breves segundos e vão com certeza ouvir o “Plim Plim” da caixa registadora a ecoar no pensamento de alguém. Qual tio patinhas, qual quê.

E se não resultar com os empresários, usamos o mesmo método com os presidentes da câmara, que às vezes mandam mais do que os empresários. Ou então arranjamos uma espécie de ganadeiro-patrono (tipo o santo padroeiro do grupo) e, onde quer que se peguem toiros da sua ganadaria, a nossa presença estará garantida, mesmo que para isso o tal ganadeiro baixe o preço do toiro a menos do preço da mortadela com azeitonas do pingo doce.

O grupo de forcados da Passarinha Rapada conta com vinte e sete elementos. Éramos vinte e nove, mas um resolveu dedicar-se a tempo inteiro ao transformismo aqui no centro cultural do concelho, fazendo espectáculos de danças exóticas às sextas-feiras e o outro morreu num treino.

Os nossos treinos são aos segundos sábados de cada mês na casa do povo da freguesia. Vemos uns vídeos no youtube, lemos a imprensa especializada, ouvimos o que o mister tem para nos dizer (o cabo, pois claro), e bebemos umas fresquinhas. De vez em quando o Raul da padaria ainda traz uns pães com torresmo, mas nós evitamos, para não assistirmos aos vídeos de barriga cheia. É perigoso. Foi por causa disso que o outro morreu.

Dos vinte e sete que restam, não podemos contar com catorze, lesionados durante as últimas duas corridas. Até tivemos sorte, desta vez. Temos uma média de 89% de lesões em cada corrida, juntado às outras estatísticas que apontam para 0% de toiros pegados à primeira, 2% à segunda, 6% à terceira, 10% à quarta e 54% pegados à quinta ou mais tentativas. Os outros 22% representam os que não pegamos. Mas, nessa altura, a enfermaria já deve estar lotada.

Mas a pouco e pouco, nós lá vamos seguindo o nosso caminho. Sabemos que o percurso não é fácil mas estamos certos de que um dia chegaremos longe.

O nosso maior sonho, enquanto grupo, é pegar na principal praça do país: Paio Pires. Ou então em Vila Nova da Barquinha. Isso sim é que era um sonho tornado realidade.

Campo pequeno?! Já lá fomos! Já lá fizemos três corridas, só no mês passado.

Santarém e Vila Franca?! Mais de meia dúzia de vezes…

Nós queremos mesmo é pegar em praças importantes. As de 1ª e 2ª categoria já não nos dizem nada. Convidem-nos para uma corrida na Messejana e seremos eternamente gratos. Quantos grupos já tiveram o privilégio de pisar a arena da Messejana? Quantos?!

No fundo, e esquecendo todas as minhas reservas, sinto-me honrado por pertencer a este grupo e mais honrado ainda por ter umas meias de croché.

No dia sete do mês que vem, inauguraremos, finalmente, a praça da nossa terra. Passarinha Rapada terá muito em breve uma praça topo-de-gama, patrocinada totalmente pela nossa autarquia, que desde sempre nos apoiou. Assim, com uma arena praticamente nossa, seremos imparáveis. Já temos mais de meia centena de permutas agendadas. Não há como as permutas da moda. O Grupo de Forcados do Vilarejo da Palha vem cá pegar e nós iremos pegar ao Vilarejo da Palha logo na semana seguinte, nós iremos à praça de Santana do Mato e o grupo de Santana do Mato vem visitar-nos depois, e assim sucessivamente. Chamem-lhe o que quiserem. O Cagarrinha chama-lhe “Swing tauromáquico”…

Dadas as vantagens, comecemos o cite até à reunião: Sabemos que há por aí grupos descontentes com a situação. Grupos importantes, daqueles com história e com data de fundação mais antiga do que a data do azeite galo (e olhem que o bicho já canta desde 1919). São grupos que ultimamente não têm pegado nada, nem ninguém. Mas a culpa não é nossa. A culpa vem lá de cima. Mas não digam que eu disse isto.

Para esfumar essa tristeza e desalento, podemos sempre convidá-los para fazer parte do nosso grupo. Aliás, essa é uma das nossas características. Recebemos toda a gente à barbela. Não interessa idade nem valentia. Desde que tenha estômago para aguentar duas bifanas e dois copos de vinho depois da corrida, são bem vindos. Seja da Passarinha, do concelho, do distrito, ou de algum sexto esquerdo directamente para a praça, cá estamos para vos receber.

Venham enquanto isto dura, enquanto não separam o trigo do joio e se estabelece a dignidade. Venham, mas depressa, antes que o Antunes se lembre outra vez do azul-bebé…
Escrito por Manuel Cunha Calado - Segunda, 25 Julho 2011 18:55
http://naturales-tauromaquia.com/opiniao/727-opiniao

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