A excelsa e generosa Carmelinda Afonsa

Aqui pode debater temas a nível tauromáquico que tenham aparecido em Televisão, Revistas, Jornais e Rádio.

Moderador: ForumTouradas.com

Responder
Mensagem
Autor
ManuelPeralta
Mensagens: 4
Registado: domingo out 10, 2010 12:20 pm

A excelsa e generosa Carmelinda Afonsa

#1 Mensagem por ManuelPeralta » domingo out 24, 2010 11:17 am

A excelsa e generosa Carmelina Afonsa
Do livro "O GATO DO CAMPO PEQUENO:


A luz quase se apagou. Digamos que ficou uma meia-luz num misterioso cor de rosa pálido, quando no meio de plumagens amarelas e brancas uma figura de sonho entrou na pista. Era a excelsa e generosa Carmelina Afonsa, vinte e três aninhos, ribatejana de gema das Fazendas de Almeirim, com avantajados dotes físicos, muito bem ensinada e ensaiada, que apareceu aos pulinhos, vestidinha com o bibe da escola infantil, com laços encarnados nas loiras trancinhas, de chupeta na boca e a fazer pinturas de malmequeres.

Despiu-se ao som de um bolero e no final saiu a trotar numa vassoura com cabeça de cavalo e às cabriolas.

Bonita cachopa. Pintava bem e excelente cavaleira. Que harmonia!

O êxito foi tal que a Carmelina Afonsa teve que voltar depois acompanhada do competente cavalo para agradecer forte ovação, de olhos baixos e a tentar tapar pudicamente as maminhas. Uma ternura.

Mas o Alcino Maria – tal era o nome do vendedor de tractores – na sua qualidade de solteiro em fim de prazo e no calor dos constantes aplausos, pediu à Carmelina Afonsa o obséquio de voltar a actuar. Fazer um outro número.

Vozes: Muito bem!

Então a menina, com ar muito tímido, apareceu três minutos depois vestidinha com um outro bibe. Este de seda azul eléctrico debruado a fio dourado e com lantejoulas a imitar qual casaca de marialva, tricórnio ornado de plumas de avestruz encimado com o escudo das Fazendas, botas altas de fantasia com saltos de prateleira e resguardada com calcinhas adornadas com fio dental.

Com o mesmo cavalo de pau deu uma volta à pista em passo espanhol e, logo de seguida, já no centro, tirou o tricórnio e baixou a cabeça em sinal de respeito.

Bem em frente da mesa. Citou de largo e com graça.

Sem nunca perder a cara ao Alcino Maria, como se lhe estivesse a fazer uma tira de frente, levantando bem o braço, rematou a sorte com trote curto e atirou-lhe com grande suavidade o bibe para os ombros, ficando novamente com as maminhas ao léu.

O mérito da actuação foi tal que até teve direito a música e o zeloso gerente foi a correr pôr a tocar um CD da Banda de Alcochete.

Os olés eram constantes. Então a Carmelina Afonsa fez umas festas na crina do adestrado cavalo e começou a fazer deslocações laterais e às arrecuas com as lindas perninhas, como se fossem movimentos de alta escola.

Um espanto!

Tentou a sorte de poder a poder, que não resultou porque o Alcino Maria – que estava a palitar os dentes – ficou quieto, sem nunca se arrancar.

Depois demonstrando que ela é que mandava, foi ganhando a cara novamente ao Alcino Maria e deixou-lhe cair mesmo no alto do pescoço as calcinhas cor de rosa bebé que tinha acabado de despir, rematando esta nova sorte quase parada, sem fugir e a aguentar uma enormidade.

Foi então que se verificou, perfeitamente, que a menina tinha uma pequena tatuagem com o desenho de dois diabinhos a brincarem à cabra-cega. Um dos diabinhos estava quase escondido e só com o pescoço, a cara e os corninhos de fora.

Depois em trote lento e em redondo, à volta da mesa, sempre a olhar para o Alcino aguentou primeiro e por fim executou com muito brilho uma sorte à garupa. Foi um delírio. Templar mais era impossível.

Mesmo assim, num impressionante sesgo ainda lhe deixou cair na taça do espumante um par de lacinhos encarnados que tinha retirado das tranças e, como adorno, deu duas piruetas lentíssimas na cara do Alcino Maria.

A música, como era de obrigação, ainda tocou mais forte.

Cavalo no chão e ela aos saltinhos a agradecer nova e estrondosa ovação, já aliviada das roupinhas, só de botas altas e com o tricórnio na mão.

Foi um momento indescritível.

--Esta pequena é brilhante e tem um grande coração, disse o vendedor.

Vozes: Muito bem! Muito bem! Viva Portugal!

Fortes e prolongados aplausos do Américo Augusto, do Alcino Maria, dos cinco convidados e das arregimentadas acompanhantes: A Chucha, a Bruna, a exótica Clotilde Antónia, a Zefa, a Gabizinha, a Emmanuelle e a desinibida Sheila, que de seguida foram provar umas migas gatas com chicharro frito e um excelente vinho branco das encostas de Pias.


Autor: Manuel da Zica

Responder